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Histórias, Lendas e Crônicas

Causos e Contos

Histórias, Lendas e Crônicas que fazem parte da história de São Tiago e região.

Feixe de Lenha
Geraldo Eustáquio Lara

DÉJÁ VU
-Bença, vó.
-Deus bençoe. – Ficou olhando-me por alguns instantes até que pareceu decidir.
-ôcê é quem?
Não pude deixar de sorrir ante a pergunta.
-Sou o leco, seu neto, filho da mariinha.
Vovó ficou pensativa, era normal quando se encontrava em dúvida.
-Ah! Da mariinha. Eu tive uma fia que chamava mariinha. Onde será que ela anda? Acho que já morreu ou intão mudô pra longe. Faiz tanto tempo que eu num vejo ela. Era uma minina muito linda, ela.
Coitada da minha avó, o Alzheimer lhe tomara as lembranças recentes. Vivia no passado, falando de pessoas, fatos, lugares que ficaram muito para trás como se fossem atuais. Não se lembrava da filha que morava ali pertinho e a visitava todo dia.
De repente seus olhos foram atraídos por uma imagem impressa na capa de um caderno que se encontrava em minhas mãos: duas senhoras, cada uma carregando um feixe de lenha, fantasticamente equilibrado na cabeça, como se fosse uma peça só, uma imagem de uma singeleza impressionante. Os olhos de vovó de repente se iluminaram.
-Quando eu era nova, – falou com sua voz doce – costumava buscá lenha prá colocá no fugão ou assá biscoito. Era um tempo bão, meu fio. A gente juntava as amigas, caminhava até o mato, cortava as arves secas, fazia um fêxe grande, tão grande que custava por na cabeça, tinha que ir levantano até ficá em pé; intão nóis pegava um pano, fazia uma rodia, punha na cabeça e ajeitava o fêxe.
Parou o relato como se estivesse recordando e então continuou.
– É, eu lembro da ceção, da dilurdes, da Benta, da Margarida, da Joana, da Constança. Tudo minhas amigas. Nóis ia contano caso e vortava contano caso. Às veiz eu ia mesmo sem pricisá de lenha, ia pur causa das cumpanhêra. Tinha umas que buscava lenha pra vendê. Coitadas. Todo mundo era pobre, mais tinha umas mais pobre ainda. Só que todas era alegre. Pelo menos quando buscava lenha, purquê nóis tava tudo junto.
Ficou olhando pela porta, vendo o céu lá fora, durante um tempo que me pareceu muito longo, o sol causticante do verão chegava a queimar os olhos, mas os olhos de minha avó, nesse instante tinham um brilho que ofuscava o próprio sol. Esperei que continuasse a história.
-Era bunito os passarinho cantano nas arves, o gado pastano. Naquele tempo a natureza paricia mais verde, tinha um chêro perfumoso no ar. Às veiz tinha uns pirigos também: cobra, vaca brava, marimbondo, abelha…. Depois tudo acabô, veio o fugão a gáis, o forno elétrico, todo mundo parô de buscá lenha. Eu sinto farta das conversa co’as amigas. Onde será que elas tão?
Sem querer meus olhos se encheram de lágrimas. Fiquei pensando quão maravilhosa é a nossa mente. Uma simples imagem numa capa de caderno, despertar lembranças tão profundas em quem quase já não as tem. Abracei minha avozinha enquanto apertava meu caderno com força contra o peito. Intimamente agradeci ao fotógrafo que proporcionou-me este momento tão singelo.

Varal de Histórias
Sophia Castro Dinelli

Era mais uma manhã ensolarada na nossa terrinha. Na cozinha de chão batido, como de praxe, minha avó tomava o seu café recém passado acompanhado da inconfundível broa de fubá — receita ensinada a ela pela bisa Esméria. Envolvido pelo ar fresco da aurora, aquele era o aroma que me despertava diariamente.

Umas três vezes por semana, enquanto o orvalho ainda enfeitava a grama, minha avó seguia o seu caminho rumo à chamada mina— era dia de lavar roupa. Vale pontuar que, embora hoje a fonte fique praticamente dentro da cidade, naquela época, era um trajeto longo e repleto de histórias.

Assim, com sua bacia em mãos e equilibrando uma generosa trouxa de roupa na cabeça, vovó e outras senhoras desciam a trilha — cercada por imponentes eucaliptos — para uma extensa jornada que estava apenas começando.

Com o barulho de água ao fundo, as lavadeiras se organizavam como de costume para dar início aos afazeres. As conversas? Sempre animadas! Falavam sobre a filha da vizinha que ficara noiva, as travessuras dos netos, a missa de domingo, as novidades da pequena cidade.

Passada de geração para geração, essa árdua tarefa fazia parte da rotina de inúmeras mulheres. Com mãos calejadas e rostos marcados pelo sol, muitas aceitavam até encomendas feitas por pessoas de fora, a fim de arrecadar uma renda extra.

Para facilitar a lavagem, as roupas eram batidas nas pedras e, após quarar na grama verde, eram finalmente estendidas. Utilizando anil e muita força nos braços, as peças brancas se destacavam nas cercas— os varais improvisados.

No horário do almoço, era minha tarefa descer até lá para levar a comida. Isso porque as lavadeiras ainda passariam mais algumas horas na fonte, até que a roupa estivesse seca e pronta para ser recolhida.

Ao entardecer, os dedos enrugados e os olhares cansados testemunhavam o fim de um longo e produtivo dia de trabalho. E assim, em meio a tecidos alvos e coloridos, o cotidiano se desdobrava. Um ofício que carrega consigo tantos causos e saberes, se transformara em um verdadeiro legado da simplicidade.

Sem conseguir dormir, deitado no colchão duro e sujo pensa na volta para casa. Já antegozava a viagem. Ah, felicidade pura! Imagina a paisagem tão familiar, tão familiar que não saiu da mente um só dia. Apesar destes dois anos longe, ainda sente o cheiro da terra, do mato, do ar, estão entranhados em seu corpo. Seu corpo cheira a terra, a mato. Pensa na chegada: o abraço nos filhos, na mulher, nos familiares, que com certeza, estarão à espera. Mais tarde o abraço dos amigos.

Há exatamente dois anos deixou sua terra, sua casa, seus amigos, sua família e foi em busca de uma vida melhor. Partiu com destino as plantações de cana no interior do estado de São Paulo. Lugar onde corria dinheiro, lugar do sujeito enriquecer, era o que diziam. Ele mesmo nunca havia conhecido alguém que tivesse enriquecido, mas o dono da venda contava que um primo trabalhou lá e quando voltou comprou terra, virou fazendeiro. Outro dizia que um conhecido mudou, levou a família, enriqueceu, voltou de carro e gastando à soberba. Embalado pelas narrativas e pelo sonho de ter e dar uma vida melhor para a família, partiu. Partiu com o coração dilacerado, mas com a alma cheia de esperança.

Logo a realidade se revelou bem diferente das narrativas. As moradias nada mais eram do que barracos (perto deles sua casinha parecia um palácio) onde se amontoavam várias pessoas. Os colchões duros e sujos traziam a saudade da cama simples, mas limpa e cheirosa de casa. No primeiro dia já ficaram claras as intenções sob as quais trabalhariam: o trabalho desgastante, a fuligem da cana queimada que entrava no nariz e nos poros, tornava a respiração difícil, o calor a desidratar. O capataz preveniu: tomem muita água para não desidratarem, pois se não aguentar trabalhar a empresa desconta os dias parados. Ao final do dia o corpo já não aguentava mais – de cinco da manhã às cinco da tarde – a vontade de parar era enorme, mas era preciso continuar, pois o salário era por produção. No final do mês a recompensa por tanto sacrifício. A ansiedade de receber o primeiro salário. Quantos planos: o dinheiro para a despesa da família, mais um pouco para comprar uma roupinha melhor para os meninos, um vestido vistoso para a mulher. E decepção com a realidade. Desconto da comida, dos equipamentos de trabalho, do local para dormir, e mais isso e mais aquilo, no final o dinheiro recebido mal dava para as despesas do dia a dia. Onde está a riqueza? A opulência? A felicidade? Pensou em ir embora. Não, tinha que insistir mais um pouco. Quem sabe depois melhorava. Continuou trabalhando dia após dia, de sol a sol, cada dia se esforçando mais. Começou a fazer uns bicos aos domingos – era um dinheirinho extra. Apesar de tudo ainda conseguia mandar algum dinheiro para a família. A esperança o movia.

Ao fim da safra se viu sem emprego, sem moradia, sem nada. O acerto com a empresa não dava nem para um mês. Foi procurar um emprego. Para um sujeito analfabeto, sem profissão arrumar um emprego não era tarefa fácil, mas a vontade de vencer era maior, a lembrança da família e a esperança de voltar rico para o sertão o animavam. Sobreviveu até o início da safra quando então retomou a rotina do serviço desgastante, mas de salário garantido, apesar de pouco. Economizava tudo que podia. Um dia trabalhou tanto, com tanto afinco que esqueceu de tomar água. No meio da tarde sentiu as botas de borracha encharcadas de suor, os músculos dormentes, as vistas embaçadas, sentiu que ia desmaiar, desmaiou. Acordou no hospital tomando soro. Foi mandado embora para casa com a recomendação de ficar dois dias de repouso. No outro dia já estava trabalhando. Sabia que teria os dias descontados. Não podia se dar a esse luxo.

Assim consumiu dois anos de sua vida, no sonho de uma vida melhor para si e sua família. Conheceu companheiros que já estavam nessa lida há muito tempo, começou a frequentar as reuniões do sindicato dos trabalhadores. Foi quando tomou consciência que, na verdade, só o dono lucrava. Todo o resto nada mais era que objeto gerador de lucro para o patrão. Quanto mais o patrão lucrava, menos eles ganhavam. De repente a realidade descortinou ante seus olhos e percebeu que, dia após dia, seu corpo era carne moída para alimentar a ganância do patrão e que, enquanto continuasse ali, nem essa carne moída teria direito a comer.

O cansaço, a desilusão, a saudade lhe consumiam. Há quanto tempo não via os filhos? Há quanto tempo não sentia o calor do corpo da mulher amada? Quando percebeu que o sonho nunca seria realidade e a saudade já era uma dor insuportável decidiu ir embora. Guardou os sonhos no fundo da mala e a frustração no fundo da alma, mas partiu com a imensa alegria de voltar para os seus, de retornar sua vidinha de sertanejo cheirando a poeira e mato. Agora sim, um sertanejo, e não mais o boia fria do canavial.

Autoria Geraldo Eustáquio Lara

Há mais de dois mil anos com um “SIM!” uma jovem simples humilde, de nome Maria, da cidade de Nazaré, aceita o pedido de Deus para ser a mãe de Jesus, corredentora e coparticipante do Plano de Redenção. Depois de cumprir todas as profecias, Maria foi elevada aos céus, donde se mantém atenta às nossas limitações, desafios e dificuldades, intercedendo continuamente por nós.

Foi por isso que, no início do século XIII, quando quase toda a península Ibérica vivia sob a escravidão dos muçulmanos, sujeita aos piores castigos, principalmente o de abandonar a fé em Deus, que a Santíssima Virgem apareceu em sonhos a Pedro Nolasco e, na mesma noite, a Raimundo Nonato e ao Rei da Espanha, D. Jaime de Aragão, ordenando-lhes que, a pedido de seu Filho, libertassem aquele povo.

A devoção à Senhora das Mercês, libertadora dos oprimidos e escravizados, iniciada nesse mesmo dia, na Espanha, espalhou-se pela Europa, América e Brasil, chegando até nós, povo água-limpense.

Diz a tradição popular que, em sua primeira visita pastoral à nossa região, num dia 24 de setembro, por volta de 1886, D. Silvério Gomes Pimenta, Bispo de Mariana, por inspiração divina, deu-nos por padroeira Maria, a Mãe de Deus, sob o título de Senhora das Mercês, cuja devoção foi cultivada pelo saudoso Mons. Eloi, enriquecida pela presença dos frades mercedários e tantos outros missionários e padres que aqui semearam, e continuam semeando, o Reino de Deus.

Por isso, há muitas gerações, somos um povo bom, acolhedor, feliz e abençoado. Graças a Deus, pela intercessão da Mãezinha das Mercês, temos o necessário para uma vida tranquila e serena. Vivemos felizes e em paz, pois somos uma única família.

Hoje, nossa espiritualidade torna-se ainda maior e mais consciente com o brilho, a alegria e o entusiasmo com que celebramos a grandiosa Festa da Virgem das Mercês, pois é através da devoção mariana que pretendemos agradar o Coração Misericordioso de Deus, “Onde Maria passa nada embaraça”. (Mons. Eloi)

Carlita Maria de Castro e Coelho
Paróquia Nossa Senhora das Mercês
24 de setembro de 2009.

Minas são muitas e suas montanhas agora guardam os Caminhos de São Tiago.

Na Espanha, Santiago de Compostela chama a peregrinar por onde caminhou o santo católico que nomeia nossa cidade.

Tiago era um dos discípulos mais próximos de Jesus. Bonito pensar nessa intimidade poeticamente rimando e transformando-se em hospitalidade são-tiaguense: aqui todo mundo se sente em casa.

Sinta o cheiro da fornada de biscoito, o sabor das quitandas, o som da Lira ou o toque dos sinos da Matriz… no corpo todo os bons ventos que sopram detalhes de nossa história.

Viva conosco esse misto de sensações e descobertas de ouro, como as experienciadas pelos tropeiros ou inconfidentes, nessas travessias tão gerais.

Deixe rastros de estrelas na poeira das estradas, ganhe carimbos no passaporte de peregrino e lembranças a cada “pedra no meio do caminho”, como poetizou Drummond.

Se ainda houver dúvidas, ouça Guimarães Rosa: “O senhor vá lá, verá. Os lugares sempre estão aí em si, para confirmar.”

Mire, veja, repara: o mar não se fará companheiro como foi de Tiago em seu Campo de Estrelas, entretanto, rios de água doce, no Campo das Vertentes, já anunciam a doçura da parada, da prece, da prosa, dos “Parabéns” e do café-com-biscoito que te esperam no aniversário comemorado a cada 25 de julho e em todos os dias aqui em São Tiago”.

Autoria – Eliza Cristina

A Escola Afonso Pena Júnior é um ponto de referência significativo da comunidade são-tiaguense, pois é o berço da cultura local, sede do saber, espaço privilegiado da partilha e da construção do conhecimento.

Os mentores desse empreendimento educacional já sentiam que havia a grande necessidade de se ter na localidade um espaço público onde a comunidade pudesse congregar no entorno da educação. Espaço onde os educandos pudessem aprender, conviver e se formar.

Era a única instituição pública de ensino da década de 20 em São Tiago. Havia apenas o ensino elementar. O corpo docente era composto de grandes mestras, que em apenas quatro anos do curso primário, ministravam o programa educativo e formavam seus alunos para a vida.

Quantas pessoas naquela ocasião, após o 4° ano do grupo, queriam dar prosseguimento à vida escolar e não podiam, por não terem condições? No entanto, aqueles que podiam estudar mais o conseguiam com louvor e aprovação na seleção da “Admissão”, e ingressavam nos ginásios das cidades vizinhas.

Um desses alunos foi o jovem Francisco, nosso saudoso Monsenhor Elói. Quando foi para o curso Ginasial do Seminário do coração Eucarístico, obteve boa aprovação por ter sido muito bem preparado no Grupo Escolar da sua cidade natal.
Anos mais tarde, lá pela década de 70, a Escola passou a oferecer a extensão de séries. Os alunos concluíam a 8ª série e saíam para outras cidades, em busca de trabalho e conseguiam empregos em escritórios, indústrias e empresas diversas. Outros ingressavam no 2° grau e nos cursos técnicos da região com boa colocação na prova seletiva, graças ao 1° grau bem feito.

Os professores se preparavam constantemente em capacitações oferecidas pela antiga Delegacia de Ensino, hoje Superintendência Regional de Educação. Outros completavam a formação e cursavam o 3° grau em Lavras, Divinópolis ou São João del-Rei.
No início do século XXI, o educandário passou a oferecer o Ensino Médio, com a mesma qualidade e tradição. Nas olimpíadas, avaliações, programas e projetos da Secretaria de Educação e do Governo Federal, a escola tem obtido resultados elevados e ganhado destaque na região e no país. É notório também registrar a grande aprovação de seus ex-alunos em vestibulares e programas de acesso ao ensino superior.

Celebrar o aniversário da fundação deste educandário é celebrar o progresso, as oportunidades, as conquistas e a vida. O conhecimento adquirido faz que o ser humano desnude os mistérios da vida, avance na busca dos seus sonhos e se torne mais “gente”.

Texto retirado livro Retalhos da Subjetividade: contos, crônicas e histórias, de Marcus Santiago.

A prática de bem recepcionar as pessoas chega a ser até emocionante, causando-nos alegria e constituindo nossos costumes e nossa história. No tempo de festas na cidade, batizados, festas de casamento, chegadas de santos e bailes na roça, embora usadas em maior escala no passado, são ainda comemoradas com o opulento café-com-biscoito, quitandas colocadas em grandes peneiras, tabuleiros… e o café servido, no caso de muita gente em xícaras esmaltadas; no caso de visitas em casa, a mesa posta com bonitas toalhas, xícaras de louça com pires. São marcas profundas… e a gente, quando criança, ficava ansiosa para que as visitas chegassem e irmos para a mesa tomar café na xícara de louça com pires.
Nas regiões rurais, onde atravessávamos rios, córregos e riachos, apreciando tudo, levantando o olhar sobre a paisagem, curtindo a natureza, a avistar o horizonte, o céu azul e… chegando à fazenda ou ao ponto desejado, éramos recebidos pelos anfitriões, como recebíamos as pessoas em casa: deliciosas quitandas, café na xícara de louça com pires, toalha bonita na mesa.

Gosto de lembrar também quando, na infância, eu acordava bem de madrugada, ao amiudar o cantar do galo, às primeiras cantigas de carros-de-bois, e os trabalhadores cantando, na faina da transformação da mandioca em raspa, farinha e polvilho, não deixando também de mencionar meu pai, um dos primeiros fabricantes de polvilho da região (…).

Trecho retirado do livro Antes do Amanhecer, de Nilza Trindade de Morais Campos.

São Tiago irmão de São João Evangelista, filho de Zebedeu, foi denominado Maior para diferenciá-lo do outro apóstolo com o mesmo nome, alcunhado Menor, por ser mais jovem. São Tiago Maior era Galileu de nascimento, pescador por profissão, juntamente com o seu pai e o irmão, provavelmente residentes em Betsaida, onde São Pedro também residiu, durante algum tempo. Jesus andando junto ao lago de Genesaré, avistou Pedro e André atarefados na pesca e os chamou para que os seguissem, prometendo fazê-los pescadores de homens. Passando um pouco mais além, na praia, ele avistou dois irmãos, Tiago e João, numa barca, junto com o pai Zebedeu, consertando as redes, e os chamou também, que, de imediato, deixaram as redes e o pai e o seguiram.

Provavelmente, em conversa com o conterrâneo Pedro e por outros meios, eles já tinham a convicção de que Jesus era o Cristo. Tão logo ouviram o seu convite e, sentindo a vontade divina, dirigiram-se a Ele e, no mesmo instante, abandonaram todos os pertences para atender ao chamamento.

São Tiago estava presente, juntamente com São João e São Pedro, por ocasião da cura da sogra de São Pedro e da restituição da vida à filha de Jairo, e no mesmo ano Jesus formou o seu grupo de apóstolos, no qual Ele incluiu Tiago e João. Ele deu a esses dois a alcunha de Boanerges, ou “Filhos do Trovão”, presumivelmente por causa do temperamento impulsivo e ruge. Por exemplo, quando certa cidade da Samaria se recusou a acolher a Jesus, os dois sugeriram que Ele deveria invocar o fogo do céu para consumi-la.

Todavia, o nosso Redentor deu a entender que a mansidão e a paciência eram as armas mediantes as quais Ele iria conquistar os homens. “Não sabeis de que espírito sois dotados. O Filho do Homem não veio para destruir as almas, mas para salvá-las”. Contudo, os ensinamentos e os exemplos do Filho de Deus não chegaram a iluminar plenamente o entendimento dos apóstolos, nem a lhe purificar os corações, até que o Espírito Santo tivesse derramado a sua luz sobre eles: sua virtude era ainda imperfeita, como se evidenciou quando a mãe de Tiago e João, supondo que Jesus iria restaurar uma monarquia temporal, segundo a ideia dos judeus a respeito de Messias, lhe pediu que os dois filhos pudessem sentar-se, um a sua direita e outro a tua esquerda, em seu reino.

Os dois filhos de Zebedeu falaram pela boca da mãe, tanto quanto pela sua própria, mas Cristo dirigiu a eles a resposta, dizendo-lhes que não sabiam o que estavam pedindo, pois, em seu reino, não existem preferências, pelo menos, não para os impertinentes e ambiciosos, mas para os humildes, os mais dedicados e os mais pacientes. Por isso, lhes perguntou se estavam dispostos a beber de seu cálice de sofrimentos.

Os dois apóstolos, entendendo a condição mediante a qual Cristo lhes oferecia seu reino e ardorosos pela sua causa, responderam sem hesitar: “Sim, podemos”.
Nosso senhor lhes respondeu que, de fato, eles iriam ter sua parte no sofrimento, mas que não podia fazer qualquer outra concessão quanto às honrarias do seu reino, a não ser de acordo com a proporção da caridade e da paciência de cada um, perante o sofrimento: “O Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida para a salvação de muitos”.

Apesar disso, esses dois apóstolos que, vez por outra, se comportaram impetuosamente e tiveram que ser censurados, e foram exatamente aqueles para os quais Jesus se dirigiu em ocasiões especiais. Pedro, Tiago e João foram os únicos a testemunharem e terem o privilégio de presenciar a sua transfiguração gloriosa, e somente eles é quem foram admitidos ao mais íntimo acesso do Getsêmani, na noite da agonia e do suor de sangue, no início de sua paixão.
Onde São Tiago tenha pregado e difundido o Evangelho, após a ascensão do Senhor, não podemos deduzir dos escritores dos primórdios do cristianismo. De acordo com a tradição da Espanha, ele empreendeu uma visita de evangelização àquele país, porém a mais antiga referência que conhecemos a respeito disso só consta do fim do século VII, mesmo assim com base numa fonte oriental e não espanhola. O próprio São Juliano de Toledo rejeita categoricamente a referida visita do apóstolo ao seu país.

Em época alguma foi essa tradição aceita unanimemente e existem fontes que argumentam contra a mesma, a exemplo da carta de São Paulo aos Romanos 15, 20 – 24.
São Tiago foi o primeiro dos apóstolos a ter aa honra de acompanhar o Divino Mestre no martírio, que sofreu em Jerusalém, sob o reinado do rei Herodes Agripa I, que deu início a uma perseguição aos cristãos, para agradar os judeus. Clemente de Alexandria, e baseado nele, também Eusébio relatam que o seu acusador, notando a coragem e a constância da mente com que o apóstolo suportou o seu julgamento ficou tão impressionado, a ponto de se arrepender do que havia feito, declarando-se cristão, e sendo condenado a ser decapitado. Quando ambos eram conduzidos para a execução, ele pediu perdão ao apóstolo por tê-lo repreendido. São Tiago após uma pequena pausa, voltou-se para ele e o abraçou, dizendo: “A paz esteja contigo”. Em seguida, deu-lhe um ósculo e foram ambos decapitados juntos.

As Sagradas Escrituras simplesmente dizem que Agripa “matou a Tiago, irmão de João, com a espada” (Atos 12,2). Foi enterrado em Jerusalém, porém, a partir de mais ou menos 830, o corpo foi translado, primeiro, para Iria Flávia, atualmente El Padrón, na Galáxia, em seguida, para Compostela, onde, durante a Idade Média, o santuário de Santiago se transformou num dos maiores santuários da cristandade. As relíquias ainda descansam na catedral e foram consideradas autênticas numa bula do Papa Leão XIII, em 1884. Sua autenticidade é seriamente discutida, porém, de modo algum, depende da verdade ou da falsidade histórica da visita missionária de São Tiago à Espanha.

Texto retirado do livro A Freguesia de São Tiago, de Marcus Santiago.

No segundo final de semana de setembro, com o surgir da aurora, o calor dos fornos de barro assando biscoitos, a melodia dos bem-te-vis e o cheirinho inconfundível de café recém passado despertam a sonolência das ruas de São Tiago, uma cidadezinha no interior mineiro que nessa data celebra a “Festa do Café-com-Biscoito”.

A gentil Praça da Matriz se torna coração de mãe para acolher todos os visitantes que vem pra cá. Eles são atraídos pela renomada hospitalidade desde a época dos tropeiros e pela degustação gratuita de quitandas artesanais. Temos deliciosos pães de queijo, broinhas, torradinhas, biscoitos de fubá, goiabada, canela…. Assim é impossível não degustar um cadinho de cada e se perder nesse emaranhado de formas, cores e sabores!
À tarde o sol é intenso, o melancólico inverno já dá lugar a formosa primavera.

Uma brisa quente brinca com a bainha do meu vestido enquanto caminho pelos perfumados jardins da praça lotada. Observo a água jorrar da boca de um leão, aquele que guarda um garimpeiro enferrujado, paralisado no tempo e espaço, ainda na procura do ouro da Estrada Real. Decido me sentar e com sorte, encontro o frescor de uma sombra embaixo de um simpático ipê amarelo.

Enquanto o canto da talentosa Anna Vieira anima os transeuntes, me deleito com o show que a natureza compõe ao meu redor. Quando a copa da árvore de ipê é beijada por uma sutil ventania, a mesma que embala as borboletas azuis, vagarosamente broches de ouro despencam e formam um majestoso tapete pelas calçadas. Estou tão encantada que ouço sussurros e um estremecimento percorre minha espinha.

O ipê quer me contar suas histórias e minha alma é invadida por aquela voz inebriante.
Faz mais de meio século que ele está ali, vivenciando as alegrias e tristezas do cotidiano tranquilo do interior. Um casal de velhinhos que está a poucos metros de mim, iniciou o cortejo e trocou os primeiros beijos em baixo dele. O senhor de pele enrugada abandonou o seminário para viver um amor como o dos cisnes que escolhem apenas um parceiro para a vida toda. Eles trocam leves sorrisos, têm olhares entrelaçastes, partilham um amor raríssimo que se fundiu ao tempo e que tenho certeza de que transcenderá a morte.

Crianças ensaiam ali seus primeiros passos, correm, caem, e se divertem. Após o badalar dos sinos, ali flashes eternizam os noivos. E quando o crepúsculo cai, a paquera entre os jovens fica evidente. Pela madrugada ri dos embriagados que lhe fazem juras de amor que nunca serão cumpridas. Mas também sofre, ouve atentamente os anúncios fúnebres, e acompanha o passar das urnas e da tristeza. Fica só em dias chuvosos ou gélidos que as pessoas evitam sair de casa.

As vozes de minhas amigas me tiram do transe, um novo show começará. Tive a sensação de lágrimas nos olhos. Já é possível notar os furos de alfinete no céu aveludado. Hoje mais do que nunca, sinto que aqueles que se limitam a ver e ouvir sem serem guiados pela simplicidade e magia da imaginação, jamais terão alma de ipê.

Texto publicado na Revista Vertentes cultural e Boletim Sabores e Saberes, de Ana Luiza Vieira Morais.

Em São Tiago, minha pequena cidade, localizada no interior de Minas Gerais, uma velha tradição é mantida durante a sexta-feira Santa. Centenas de pessoas saem de suas casas em direção a algumas fazendas, onde os fazendeiros já as esperam para distribuir litros e mais litros de leite gratuitamente. O melhor dessa tradição é que nos permite novas amizades, pois durante o itinerário, pela madrugada, vamos batendo papo e nos divertindo.

Além disso, o contato livre com a natureza nos permite sentir aquele doce aroma das folhas de eucalipto e aquele som alegre do assobio do sabiá. O dia nem amanheceu e o barulho que os sapos fazem nas beiras dos rios próximos às estradas ecoa agradavelmente em nossos ouvidos. Logo aparecem os primeiros raios de sol dando o ar de sua graça. Eu, encantado com o nascer do sol, me surpreendo mais ainda com o brilho no olhar de uma criança que pela primeira vez faz-se cumprir a tradição juntamente a seu pai.

Ao chegar à fazenda encontro amigos que saíram mais cedo que eu, converso brevemente com eles, afinal tenho pressa para garantir minha parte do leite. Novamente pego a estrada. Na volta os sons são ainda mais bonitos, diversos pássaros cantam juntos como se fosse uma orquestra.
Voltando a São Tiago, já na estrada, é possível sentir um cheiro muito agradável. É o aroma dos doces que as pessoas que ali moram fazem com o leite que seus familiares trazem da caminhada. Vários tipos de doces…

Em minha casa, meu pai prepara a iguaria também. Aquele doce de leite que só de sentir o cheiro dá água na boca.

Chego exausto e vou me deitar. Preciso descansar. Afinal o dia ainda é longo.
À tardinha encenação da paixão de Cristo na praça da matriz e, à noite, uma outra longa caminhada com dezenas de fiéis em procissão. Esta silenciosa, reflexiva. Somente o som fúnebre de uma matraca acompanha o cortejo. Manifestação de fé e religiosidade, tão presentes durante todo o ano em São Tiago.

Aqui, a Sexta-Feira Santa é assim, um misto de doçura e agonia pela morte de Cristo.

Texto de Mateus Bruno da Silva, retirado do livro O lugar onde vivo – por jovens escritores.

Na região rural de São Tiago conhecida como Gamelas, quem espanta os visitantes é o espírito de um padre “doido” por metais preciosos. Segundo a historiadora e professora Elena Campos, por volta de 1708, época do Brasil colônia, o religioso José Manuel era dono de escravos e extraía ouro de sua propriedade. “O que se conta é que para presentear o rei de Portugal, o clérigo mandou fundir parte do ouro em forma de cacho de bananas. Porém, o rei, sabendo disso antes de receber o tal presente, considerou a atitude de José Manoel uma ofensa ou até mesmo um risco à Coroa, e mandou prender o padre e confiscar seus bens. Mas, antes de ser preso, o clérigo escondeu o ouro em alguma parte de suas terras, para evitar que outras pessoas sofressem como ele”, conta.

Mas, a história se espalhou e o que não faltou foi gente atrás do tesouro. O escritor Ademir Mendes é uma dessas pessoas. No livro que publicou em 2011, ele conta o mistério do ouro das Gamelas. Junto de alguns amigos, aventurou-se dentro da gruta com o objetivo de ficar rico. “Entramos, um a um, muito receosos e prevenidos para alguma emergência. A passagem era muito estreita, permitia a entrada de uma pessoa de cada vez. Dentro do buraco o espaço era maior e nós conseguimos ficar de pé andar normalmente. A luz do dia foi ficando escassa e impediu que nós continuássemos nossa jornada. Ouvimos dizer que lanterna não funciona dentro do buraco e, do lado de fora, funciona normalmente. Não aventuramos ir muito longe no escuro, pois falavam da existência de uma fenda muito profunda, sem fim, dentro da gruta”. O grupo de rapazes desistiu de encontrar o ouro e voltou para cidade sem se tornarem milionários.

O técnico de som, Rosauro Caputo, também se aventurou atrás do tesouro. Com 53 anos, ainda se lembra da aventura que passou quando tinha 20. Junto de uma turma, Caputo decidiu procurar o cacho de banana dourado. “Conseguimos entrar apenas uns três metros dentro da gruta, pois a gente não tinha luz e havia muitos animais. Se foi coisa do padre ou não, tivemos que sair correndo, pois fomos atacados por um enxame de maribondos”, conta. Não por acaso nossa equipe de reportagem também foi atacada por uma nuvem de maribondos enquanto fazia uma fotografia para matéria.

O técnico de som também traz na memória muitas histórias sobre o local. A mais impressionante é a de um homem de Oliveira, cidade distante 56 quilômetros de São Tiago. O tal homem se dizia guiado por um espírito e foi até a Fazenda das Gamelas tentar a sorte. “Ele furou um buraco muito grande. Durante o trabalho, teria ficado louco, fato que motivou sua família buscá-lo e levá-lo amarrado para a casa. Depois de voltar para Oliveira, a família do homem teria ficado rica”, diz Rosauro.

Segundo Elena, essa história tem um fundo de verdade, já que, de acordo com registros, as terras eram mesmo desse padre. Mas, a historiadora ressalta que é preciso cuidado, já que não existem indícios de garimpo na fazenda das Gamelas. “Apesar de a lenda afirmar que as terras eram ricas em ouro, alguns historiadores não acreditam nessa hipótese, já que não há indícios de que houve grande movimentação de mineração na região. O fato é que a história surgiu não se sabe ao certo porque, mas até hoje mexe com o imaginário das pessoas”, afirma.

Autoria – Bruno Caputo, Douglas Caputo e Michele Santana

Dizem que em noites escuras, na região da Pavuna, a dois quilômetros do centro de São Tiago, o choro do espírito de uma mãe atordoa quem passa pelo local. Entre as ruínas de uma casa do início do século passado, a alma de Maria José Gabet, a Nhanhá Gabet, veste preto e vaga em gemidos e lágrimas pela morte dos sete filhos e do marido, fato ocorrido dia 13 de setembro de 1916. O espanto em torno do caso é por conta das circunstâncias das mortes. O pai da família, José Gabet, obrigou todos a tomar vermífugo. O remédio, na realidade, era estricnina, um veneno potente. Um a um, os filhos e o casal foram tombando em agonia. No entanto, Nhanhá Gabet sobreviveu graças à ajuda dos vizinhos. De 1916 a 1960, ano de sua morte, a matriarca nunca deixou de vestir roupas pretas, luto eterno que guardou em respeito à família.

Mas, o que teria motivado o pai a matar os filhos, a mulher e a cometer suicídio? Segundo as histórias contadas ao longo dos anos, José Gabet era um boiadeiro que sempre viajava em comitivas de gado para o oeste de Minas Gerais. Numa dessas idas, engravidou uma filha de coronel. “Isso aconteceu na ocasião em que o peão contraiu febre amarela e teve que ficar por mais tempo que o esperado numa fazenda que servia de pousada. Por lá, conheceu uma jovem com a qual teve um caso, e acabou tirando sua honra. O pai da moça, um homem muito rígido, prometeu vingança. Seu objetivo era matar José Gabet e sua família em São Tiago”, conta Ana Paula Lara, professora de história que fez sua monografia sobre o assunto.

Ainda de acordo com Ana Paula, a moça grávida teve pena do que poderia acontecer com o boiadeiro. Mandou um mensageiro avisar José Gabet sobre risco que estava correndo. “Sem saber o que fazer e num ato desesperado, o peão foi a São João del-Rei e comprou veneno numa botica para matar toda a família. Depois de beber com o marido e dar o tal vermífugo para os filhos, Nhanhá Gabet percebeu que as crianças estavam agonizando. Ela começou a gritar e os vizinhos foram acudir. Ao verem a cena, os moradores do local deram leite para a mulher que vomitou o veneno”. Mas, para Ana Paula, “a mãe sobreviveu porque tomou veneno em cápsula, enquanto o resto da família ingeriu a estricnina em pó, que tem ação mais rápida no organismo”, afirma.

A comoção social em torno do caso gerou lendas sobre a família. A agente de saúde Kássia Campos morre de medo só de ouvir falar no nome de Nhanhá Gabet. Moradora de região próxima ao local do crime, ela conta que são comuns os relatos de pessoas que já ouviram o choro triste da mãe que perdeu os sete filhos. A própria agente de saúde relata já ter escutado gemidos vindos do lugar. “Quando eu era criança, fui com minhas irmãs e primas até a Pavuna. Lá, nós escutamos vozes de outras crianças, mas não tinha ninguém”. Nessa época, Kássia ainda não conhecia a história do crime. Foi na adolescência que ela descobriu sobre as mortes e encontrou uma explicação para o barulho de crianças que ouviu no passado. “Daí eu liguei os gritos daquelas crianças com as pessoas que haviam morrido. E isso gerou o pavor que tenho só de pensar naquele lugar”. A agente de saúde diz ainda que nem de carro gosta de passar pela Pavuna.

O comerciante João Batista de Andrade, o Batista, tem uma venda próxima ao local em que aconteceram as mortes da família Gabet. E ele próprio garante já ter visto coisas estranhas por lá. Em 1973, quando sua esposa entrou em trabalho de parto, teve que ir buscar uma parteira numa rua próxima de sua casa. No meio do caminho, ao avistar a Pavuna, viu uma luz estranha no local. “Sai de casa por volta das duas da madrugada e por acaso olhei para o caminho que levava à Pavuna. Vi uma luz na casa de Nhanhá Gabet. O clarão ia e voltava, parecendo procurar algo ou alguém. Isso me fez arrepiar e ao me lembrar das mortes, fiquei mais apavorado ainda”, lembra.

Em sua venda, típica do interior de Minas Gerais, Batista ouve contar muitas dessas histórias. A que chamou mais a atenção do comerciante foi a do enterro fantasma dos Gabet. Batista se lembra do relato de um homem que teria tido uma visão de assombrar. “Seu Geraldo Campos contava que depois de jogar baralho por um longo tempo na casa de um amigo, na cidade, precisava voltar para sua casa, na roça. O caminho era pela Pavuna e, como de costume, seguiu tranquilo em seu cavalo. Ao passar pela ‘cava’ que se estendia até próximo à casa dos Gabet, viu um funeral, com oito pessoas carregando um caixão. Achou aquilo estranho, principalmente porque era tarde da noite. Parou o cavalo, tirou o chapéu, fez uma oração e depois seguiu caminho. No dia seguinte voltou à cidade e, ao questionar algumas pessoas, inclusive o coveiro, descobriu que ninguém havia sido enterrado aquela noite”, diz Batista.

Mas, a professora Ana Paula descarta essas versões sobrenaturais em torno do ocorrido. Para ela, não há justificativa para o choro póstumo de Nhanhá Gabet, já que a matriarca poderia ter feito isso ao longo dos 44 anos em que viveu sem a família. “Apesar do grande choque, ela levou sua vida em frente. Trabalhou em Bom Sucesso (cidade vizinha a São Tiago) como diretora de um orfanato e, ao voltar para sua terra, dedicou-se a ajudar quem necessitava. Boa parte do seu tempo passava dentro da Igreja”, comenta.

A história marcou o então distrito de São Tiago. O enterro, com oito caixões ao mesmo tempo, era inédito na localidade. No registro de óbito da família, consta que o filho mais velho tinha doze anos e o mais novo apenas três meses de idade. Todos morreram por volta das sete horas da manhã.

Enquanto os corpos eram velados, os capangas do coronel chegaram a São Tiago para matar a família. Ao perguntarem onde os ‘Gabet’ moravam, foram informados do velório na igreja e não puderam cumprir a ordem do patrão e levar um pedaço da orelha de José Gabet como prova de sua morte. “Apesar de parecerem ter vindo de muito longe, esses jagunços eram da região de Campo Belo, distante 110 quilômetros de São Tiago”, diz Ana Paula.

Autoria – Bruno Caputo, Douglas Caputo e Michele Santana

Inexplicável é o fascínio que os casos de assombração podem exercer sobre as pessoas, mesmo que crianças ou jovens. Horripilantes, mas ao mesmo tempo atraentes, causam prazer através do misterioso, escondido, tenebroso. Talvez gostemos de colocar à prova nossas emoções, quando nos expomos ao contato com fenômenos sobrenaturais, aventurando-nos pelo mundo o desconhecido. A paixão pelas coisas ocultas deve estar enraizada no ser humano, que venha a causar-lhe estragos. Somente assim somos capazes de compreender as grandes aventuras empreendidas, podendo citar por exemplo a viagem de Ulisses e sua exposição ao canto da sereia, numa tentativa de vencer a tentação que ele causava aos navegantes. Sabendo da força da atração, Ulisses pediu que o amarrassem fortemente ao mastro do navio e vedou os ouvidos para não deixar se envolver pela magia da sereia. Estava ciente e consciente dos riscos que corria e mesmo assim quis colocar-se à prova.

O homem tem necessidade de penetrar no mundo oculto do fantástico e do maravilhoso, mesmo que isto lhe custe a vida, é o que nos revela a mitologia dos povos de todos os tempos e lugares. Lidar com o desconhecido, procurando adentrar-se nos seus mistérios ou dar explicações aos fenômenos tem sido um fato constante, na humanidade.
Em nossa região contam-se muitos casos assombrados. Alguns, se referem ao tempo da Quaresma, tais como o da Mula Sem-Cabeça, do Lobizomem e alguns sobre Encomendação de Almas. Desta, conta-se que a pessoa não pode abrir a janela e espiar, pois alguém fazendo isso, certa vez, recebeu uma vela da última pessoa que passava na encomendação e, na manhã seguinte a vela se tranformara em osso de defunto.

São comuns as histórias de casas mal assombradas, onde ninguém consegue dormir, principalmente se forem casas antigas onde existiram escravos. Aí se ouve gente andando, derrubando vasilhas, dando risadas, tocando cavalos e bois, fazendo muito barulho. Dizem ser os escravos muito judiados que não deixam os vivos dormirem em paz. Muitas vezes ouvem-se lamentos, choros, gritos de dor dos que foram amarrados ao tronco e açoitados; é comum o pranto de crianças, sem estas estejam presentes.

De um fazendeiro muito mau para os seus escravos dizem que quando seu corpo morreu foi carregado pelo diabo, tal a sua ruindade. Foi preciso colocar um toco de bananeira no caixão que não pode ser aberto para o velório. Ainda hoje, diz-se ouvir o barulho de corrente arrastando, que provoca arrepios de medo. Conta-se que o fazendeiro transformou-se em boi e passa arrastando correntes, atormentando as pessoas que caminham pelos terrenos vizinhos à fazenda que morou. Foi esse o castigo recebido por ter cometido tantas maldades.

Interessante a história de uma luz que aparece em locais variados. Muitas pessoas afirmam tê-la visto muito próxima delas. É um fato comum e não raras vezes acontece. Não se pode duvidar nem zombar de sua existência, pois pode acontecer de lhe aparecer a luz, a qual tem o poder de se vingar, causando muito medo à pessoa.
Aconteceu certa vez que um senhor duvidou e muito zombou das aparições da luz. Estava em visita a amigos em uma fazenda. Ao regressar, à noite, a luz assentou-se à garupa do cavalo que montava, acompanhando-o até a fazenda de sua propriedade. O homem quase punha a alma pela boca: ofegante, olhos estalados, perdeu a fala. Correndo, entrou em casa e deitou-se. Não teve sossego, pois a luz passou na janela de seu quarto enquanto durou a noite. Ficou comprovado o poder da luz foi comprovado.

No lugar onde funcionava a olaria da Fazenda Casanova foi vista inúmeras vezes: levantava o clarão, abaixava, mudava-se de lugar, emitindo sempre um chiado. O mesmo acontece no lugar denominado Pavuna, que já tem fama de mal assombrado devido à ocorrência de um crime brutal. A luz sempre aparece nas redondezas, com as mesmas características: o clarão ora aumenta, ora diminui, ora muda de lugar e a luz desaparece em espiral ascendente, e ouve-se um chiado. Muitos já foram testemunhas do fato, mas as principais são as pessoas que moravam na casa – a mesma onde ocorreu o crime. Eram três meninas e um menino. A mãe e os filhos, muitas vezes, ao voltarem para casa em finais de semana ou dias de festas, deviam passar por cava também mal afamada devido aos casos de assombrações que ali apareciam. As meninas contam de seus medos porque muitas vezes foram seguidas pela luz até chegarem à casa. Quando podiam, dormiam na casa da avó, que ficava no centro da cidade. A casa da Pavuna fica bem próxima à nossa e as meninas conviviam com as minhas filhas. Adultas, hoje, conservam a amizade. Presenciamos na encosta que dá para a janela da cozinha, o estranho clarão, por um sem número de vezes. Desapareceu por alguns anos, tendo reaparecido de uns anos pra cá. Tem-se a ilusão de que possa ser farol de carro ou lampião usado por pescadores ou caçadores. Mas por ser nossa velha conhecida, associamos o clarão à luz misteriosa.

Motoristas relatam que veem a luz na estrada, mesmo durante o dia, como se fosse o farol de carro, mas que ele aumenta, diminui, sai da estrada, até que desaparece. Às vezes vem em sentido contrário ao do motorista, mas não se cruzam.

Dizem que aparece frequentemente perto de Morro do Ferro. Não faz muito tempo que se aproximou tanto de um automóvel que o calor intenso derreteu a parte elétrica do carro e outras peças. Há versão de que possa ter sido um disco voador. Isto me foi relatado por uma professora de Morro do Ferro que lecionava em São Tiago. Éramos colegas de trabalho.

Por aqui há uma versão interessante para a história: a luz seria uma Filha de Maria que fora enterrada com a fita da irmandade e, por isso, tenta aproximar-se das pessoas para que lhe tirem a fita. A Filha de Maria não descansou ainda, está vagando. Somente quando alguém tiver coragem de retirar-lhe a fita do pescoço ela estará livre e encontrará seu destino. Como ninguém até hoje teve coragem de tirar a fita, ela continua vagando.

Há um esbarrancado perto da casa de tio Preste, no local denominado Vargem. Quando éramos crianças, a luz aparecia muito, beirando o esbarrancado. Um senhor muito simples, que vivia a puxar carrinho de esterco para vender, dizia não ter medo da luz e se propôs a tirar-lhe a fita de Filha de Maria; assim a moça encontraria seu descanso. Um dia ela apareceu e, corajoso, ele foi se aproximando dela. À medida que se aproximava, ela ia se afastando, até que ele caiu no esbarrancado. Contava que ouviu um chiado ora mais forte ora mais brando.
Há aproximadamente cinco meses, um jovem regressava de São João Del Rei onde cursa faculdade, quando avistou à beira da estrada, próximo de Ritápolis muitas luzes, como se fossem fragmentos de um foco maior, pois às vezes se juntavam como se fossem uma só. Teve muito medo e até parou o carro antes do local onde estavam as luzes. De repente, tudo desapareceu como se nada tivesse acontecido. Era perto de meia noite.

O mesmo jovem disse que, quando era criança, ele e uma prima viram a luz no campo do Guarani, que se situa na Pavuna.

Uma turma de jovens foi trabalhar em uma empresa de plantio de soja, próxima de Alto Paraíso, em Goiás. Terreno grande afastava-se muito da sede e do companheiro que trabalhava em outro extremo. Solidão tenebrosa de noites escuras e compridas. Alguns dos rapazes deram depoimentos de que viram a luz e que ela pousara sobre o trator. Um deles foi tomado por pavor e tratou logo de voltar para sua terra. Tinha mesmo um semblante aterrorizado e não gostava que se tocasse no assunto.

Há muitos anos um ufólogo de Passa Tempo interessa-se pelo estudo destes fenômenos. Em Morro do Ferro foi montado um observatório de Ufologia.

Algumas pessoas dizem que é um disco voador, outros que são gases que emanam do interior da terra e em contato com a atmosfera incendeiam.

Há casos dos discos voadores e ETs em Varginha, causadores de polêmica nos meios científicos.

Enquanto isso, conservamos a crença de que a luz do mundo seja uma Filha de Maria errante, por ter sido enterrada com a fita benta da irmandade, e que vaga à procura de quem tenha coragem de livrá-la da fita.

Texto retirado do livro Acaso são estes os sítios formosos?, de Ermínia de Carvalho Caputo Resende

Dom Pim Quixote

Guardado na memória da maioria dos são-tiaguenses, Chrispim José Ferreira, o Pim, é uma lenda viva que atravessou gerações e deixou marcas na lembrança de muitas pessoas.

Em São Tiago, há quem acredite na imortalidade de uma das principais personagens da história local. Não é difícil encontrar pessoas mais velhas que confirmem a existência do místico matusalém da cidade.

No entanto, a perenidade do andarilho urbano não atravessou os séculos como muitos defendem. Consta em seus documentos sua idade correta: 75 anos. Mas, a vivência num universo boêmio e descompromissado, criou no imaginário popular a figura do caricato Dom Quixote de São Tiago, que continua, pelo menos na memória das pessoas, com sua errância infinita.

Este tempo que não se esgota ecoa, até hoje, através das notas desafinadas que vinham de sua gaita e de suas batidas descompassadas no peito. Coração rítmico da orquestra de um homem só.

O menino

Mas, Chrispim nem sempre teve essa vida de andarilho. Ele só deu os primeiros passos aos 13 anos de idade. Sua irmã, Amélia Carmem Cardoso, conta que “a mãe carregava ele nas ‘cadeiras’ pra cima e pra baixo”. Filho caçula de cinco irmãos, Pim é lembrado pela irmã “como um menino bobo, que nunca foi à escola”.

Mas de bobo Pim não tinha nada. Quando se desgrudou da barra da saia da mãe, ele mostrou a que veio ao mundo. “Foi só isso pra ele dar trabalho, porque ele andou demais. Não sossegava em casa e vivia perambulando pelas ruas da cidade”, conta Nela, como Chrispim chama a irmã. Outra característica do Pim era inventar apelidos para as pessoas. Ele não chamava ninguém pelo nome de batismo, mas usava referências quando queria cumprimentar ou chamar a atenção de alguém. A professora aposentada Madalena Caputo virou “Dica do Adi” na linguagem chrispiana.

“Dá mamá”

O apelido usado por Chrispim para chamar a atenção de Madalena veio numa situação que se repetiu com muitas mulheres de São Tiago. O que o brincalhão queria mesmo era pedir “mamá”.

“Eu estava passando quando ouvi ele me chamar: Dica do Adi, Dica do Adi… dá mamá”. Envergonhada e brava com a situação, Madalena garante que não teve alternativa, senão “ameaçá-lo com uns tapas, que não foram dados”, garante Dica. O comerciante Anival Floriano da Silva, o Nibal, conviveu com o Pim durante muitos anos no estabelecimento do cunhado, o famoso bar do João Aleluia. Nibal se diverte ao lembrar-se de uma história que envolve o Chrispim e tal do “mamá”.

“Ele sempre pedia ‘mamá’ para uma determinada mulher. Revoltada, ela contou pro marido, que prometeu uma lição ao ‘pilantra’. Certo dia, a mulher ficou no lugar que o Chrispim sempre passava e o marido ficou escondido nas proximidades. Quando o Chrispim chegou, percebeu a emboscada e ignorou a mulher. Ela achou estranho e, querendo a todo custo que o marido desse a lição, gritou para o Pim: ‘Não quer mamá hoje não!?’ Ele, como espertalhão que era, respondeu imediatamente: ‘Hoje não, hoje não. Chupei manga”, ri Nibal. O cunhado de Pim, João Batista Cardoso, defende o parente como um filho. “Não foi ele quem inventou essa história de ‘mamá’. Tinha uma mulher que bebia muito e que andava por ai pra rua também. Foram os homens dos botecos que ensinaram para o Chrispim a pedir ‘mamá’ pra ela”, argumenta Cardoso.

Festeiro

Comemorar o que quer que fosse era o passatempo predileto de Chrispim. Dorival Márcio de Castro, herdeiro do tradicional bar do Tião Coité, local de passagem obrigatória do errante, lembra como era o Natal perfeito do Pim.

“Ele sempre estava aqui, brincando com o pai. Quando era Natal, não tinha jeito, a gaita era o presente que ele não abria mão de receber. E a gente dava com a maior satisfação”, lembra Castro. Já no Carnaval, Pim apenas incrementava a fantasia que usava diariamente e que ajudou a construir o mito. Sentado no bar do Tião Coité, a maquiagem rabiscada com batom pelo proprietário do estabelecimento reforçava o espírito carnavalesco do Quixote. Cardoso confirma a história. “O Chrispim gostava muito. O Tião Coité era quem fantasiava. Ele pintava a cara do Chrispim toda de batom. A roupa dele chegava aqui em casa tudo pintada”, lembra. Castro recorda também que Tião Coité, em certo carnaval, resolveu colocar uma dentadura de vampiro no Pim. “O problema foi para tirar. Ele não tinha dentes e produzia muita baba. Acabou sobrando pro pai retirar os dentes postiços”, comenta. Nem na Quaresma, período em que cidades pequenas guardam silêncio, Pim sossegava. Ele gostava de fazer sua própria Encomendação de Almas, movimento não-ligado à Igreja que entoa cânticos chorosos e batidas de matraca em encruzilhadas para livrar almas do Purgatório. Castro conta que Chrispim fazia questão de acordar a família toda com o seu próprio ritual. “Ele subia as escadas da casa do pai e cantava um choro doído. Depois, batia palmas para imitar a matraca”.

Já na Semana Santa, era um deus-nos-acuda. Depois de muita cachaça e cerveja que pedia em um copo de água mineral muito sujo, Pim não se conformava em ficar em casa. Gostava mesmo era de sair para a rua e imitar a cantoria de Verônica. Cardoso conta que o fujão sempre encontrava um jeito de sair. “Teve uma Semana Santa que eu ia pra procissão. Antes, tive que trazer o Chrispim tonto pra casa. Depois, fui pra procissão. Já na igreja, recebi o recado de que ele tinha pulado a janela. Foi um custo danado encontrá-lo pela cidade e trazê-lo de volta”.

Mas, para o espírito livre de Chrispim, tudo acabava em bagunça. Não por acaso, Cardoso garante que “ele sempre foi festeiro, Carnaval, banda de música, ele ia atrás para segurar aqueles cartazes que a banda carregava. Folia de Reis. Tudo que era festa ele tava no meio. Era festa de Igreja, subia até no altar e mexia até com o padre”.

“Caixão preto”

Se as anedotas com as mulheres de São Tiago viraram um bordão do Pim, outra moda que pegou na cidade foram os gritos de “Vai morrer no caixão preto”, que eram destinados ao Quixote da gaita.

Não se sabe ao certo de onde veio a ladainha do “caixão preto”, mas, segundo Nibal, o comerciante, Chrispim teria herdado a achincalhação de outro doidivanas de São Tiago.

“Isso foi há muito tempo, quando um senhor chamado Joaquim Nicolau, doente também, ficava irritado quando lhe diziam que ia morrer num caixão preto. As mesmas pessoas que falavam do tal caixão com o Joaquim, passaram a fazer medo no Chrispim desde que ele era criança”.

A família não confirma essa história e apresenta outra versão dos fatos. “Ele não tinha medo de caixão preto, o que ele não gostava é que falassem que ele ia morrer. Por isso, ficava bravo e saía resmungando”, conta Cardoso, cunhado de Pim.

Várias vezes Castro presenciou o galhofeiro xingar e atirar cuspe nas pessoas por conta do tal caixão preto. “Era a defesa dele. Os meninos mexiam com ele, falavam que ele ia morrer, o negócio de caixão preto. Às vezes um passava e batia nele. Então, a arma, a defesa do Pim, era jogar baba nas pessoas”, afirma.

Amigos

Apesar das muitas rusgas que teve com pessoas da cidade, Chrispim também soube cultivar amigos. Entre eles está Nibal e sua esposa, Nelimar Santiago. No casório dos dois, a maior surpresa veio justamente do Pim.

“Nem imaginamos como ele soube que nós íamos nos casar. Ele foi até o bar do Tião Coité e pediu uma caneca. Isso foi muito significativo e até hoje temos a canequinha que apelidamos de caneca do Chrispim”, conta Nelimar. Outra amiga era a popularmente conhecida Tita, morta em 2005. Não havia um dia que o “cavaleiro andante” passasse sem almoçar na companhia da senhora.

Segundo a sobrinha da anfitriã, Maria de Lourdes Resende, a Cairu, “Tita adotou o Pim como um filho. Ela morava sozinha e sempre gostou de receber em sua casa pessoas como o Chrispim. E se a Tita não estava animada para fazer almoço só para ela, a presença do Chrispim lhe fornecia o ânimo suficiente para enfrentar o fogão”, afirma. Depois da morte de Tita, Pim passou a filar o almoço no restaurante do ‘Zé’ Mauro. Antes da comida, ele clamava por um ‘aperitivo’, mas o dono do local recusava o pedido. Para compensar a falta de cachaça, Pim ganhou um lugar vip no restaurante.

“Ele ficava esperando o prato de comida numa cobertura do lado de fora, que fizemos especialmente para ele. E o almoço tinha que ter o que ele gostava como arroz, feijão, frango e quiabo. O dia que não tinha carne, ele pedia. Pedia mesmo, sem se preocupar se estava ganhando o almoço ou não”, afirma José Mauro. E é com os olhos marejados que o dono do restaurante fala da amizade que preserva até hoje com Chrispim.

“Eu ainda vou à casa dele de vez em quando levar um pouco da comida. Certa vez, cheguei e ele já estava com o prato na mão, comendo aos poucos e meio desanimado. Quando me viu, disse todo entusiasmado ‘Zé! Zé!’. Pegou o marmitex da minha mão e colocou o prato de lado”, conta José Mauro.

Exageros

Pim nunca se importou com os exageros que cometia. Com as pernas e os pés muito inchados e cheios de feridas, não deixava de perambular pelas ruas da cidade. Outro exagero que Pim cometia sem nem se dar conta eram as bebedeiras sem limites. A falta de informação da família e a dificuldade de recursos para um tratamento especializado fez com que os parentes tomassem uma medida extrema. Foi preciso prender o errante em casa.

“No começo não foi nada fácil. Eu buscava na rua, fechava aqui dentro de casa. Ele ficava muito bravo e nem conseguia dormir. Mas, com o passar do tempo, O Chrispim foi se acostumando à nova vida e hoje não sai pra nada”, conta Cardoso. Já faz quatro anos que Chrispim não anda pelas ruas da cidade. E há poucos meses foi diagnosticado com um câncer no reto. Por isso, viaja toda semana para tratamento radioterápico em Belo Horizonte. Acamado e bastante debilitado, como mostram as fotos tiradas recentemente, Pim quase não se comunica e são poucas as pessoas que ele reconhece. Segundo o cunhado, o andarilho de outras épocas ainda continua sua jornada, mas apenas dentro de casa. E pelo agravamento do estado de saúde, Chrispim depende das pessoas para atividades corriqueiras. Apesar do diagnóstico positivo para o câncer, o Quixote de São Tiago insiste em suas andanças sem fim pela memória de todo são-tiaguense.

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